Artistas populares do Paraná inspiram peça teatral no Centro Juvenil de Artes 17/01/2020 - 11:00

Efigênia Rolim e Hélio Leites foram homenageados com espetáculo que leva à reflexão sobre invisibilidades, o que é arte e conscientização ecológica

A linguagem contemporânea foi escolhida pela professora do curso de teatro do Centro Juvenil de Artes (CJA) Mônica Fernandes e seus jovens alunos para celebrar dois artistas populares: Efigênia Rolim e Hélio Leites. A peça “Insignificâncias”, com teor mais crítico e social, homenageia os artistas e faz um apelo aos invisibilizados, fomenta a reflexão sobre o que é arte e ainda aborda a conscientização ambiental, por meio do trabalho realizado pela dupla, que ressignifica materiais considerados descartáveis e os transforma em arte.

Cena em que os atores que interpretam Efigênia Rolim e Hélio Leites contracenam juntos.
Cena em que os atores que interpretam Efigênia Rolim e Hélio Leites contracenam juntos. Foto Kraw Penas/SECC

De acordo com a professora Mônica, o universo desses artistas se uniu com a proposta de uma peça teatral em que os protagonistas dividem as cenas com personagens marginalizados e considerados socialmente invisíveis. Assim surgiu “Insignificâncias”, uma peça que busca dar voz aos excluídos chamando a atenção para a necessidade de superação de preconceitos e para a prática da inclusão social.

Da linha do “Teatro do Oprimido” de Augusto Boal, e do “Teatro Pobre” de Jerzy Grotowski, no sentido de usar poucos recursos em cena e dar ênfase na interpretação, a professora Mônica acredita que o mais importante não é exatamente o resultado final, mas o que todo o processo de estudo, pesquisa e construção da peça gerou em seus alunos. Com idades entre 13 e 17 anos, os estudantes se envolveram no projeto desde o início do ano de 2019.

“Pegar uma coisa do zero e ir construindo cena por cena é um trabalho muito mais rigoroso e difícil de executar. Mas o que eu mais gostei nesse trabalho é que a gente foi criando as cenas juntos. Sinto que eles estão inteiros no trabalho e transformados, por isso eu até me emociono. Fazer teatro, pra mim, não é fazer espetáculo, mas aquilo que a gente consegue transformar em nós e nos outros.”, comenta a professora e diretora da peça.

As cenas foram inspiradas na compreensão do grupo do que é a essência dos artistas Hélio e Efigênia, com apoio de textos de Helena Kolody, Paulo Leminski e outros artistas anônimos, como Carlos Eduardo (Cadu), morador de rua de Salvador e autor do poema “Não Somos Lixo”.

A peça aborda os invisibilizados, como as pessoas em situação de rua.
A peça aborda os invisibilizados, como as pessoas em situação de rua. Foto Kraw Penas/SECC

Na pele de Hélio Leites, Victor Ferreira, de 16 anos, gostou muito de trabalhar com o Hélio e com a Efigênia porque, segundo ele, “são pessoas de certo modo simples, mas que você percebe a genialidade que eles têm na mensagem que eles deixam com as obras deles”. No curso de teatro do Centro Juvenil há quatro anos, Victor decidiu este ano que deseja mesmo seguir carreira nas artes cênicas. Para ele, fazer arte é transformador: “ela dignifica, ela embeleza as coisas, por mais que uma coisa tem uma função, a arte vai lá e embeleza e dá uma mensagem a mais, dá um significado.”

“Ela é uma figura assim: cada pedacinho da Efigênia é um pouquinho de esperança pro planeta terra”, descreveu a estudante Duda Silveira Ventura, de 16 anos, escolhida para protagonizar a ‘Rainha do Papel’. Há dois anos no curso de teatro, Duda achou muito difícil fazer a personagem, mas ficou extremamente feliz com o desafio e se preparou assistindo vídeos e resgatando em si a inocência da infância.

A apresentação da peça “Insignificâncias” foi realizada no dia 8 de dezembro de 2019, no anfiteatro do Centro Juvenil de Artes como encerramento do semestre, com a platéia lotada e a presença do Hélio Leites - um dos homenageados. O envolvimento e engajamento da turma foram tão grandes que decidiram formar um grupo de teatro, com a maioria dos alunos que participaram dessa montagem.

A apresentação contou com a presença ilustre do artista homenageado Hélio Leites, na foto junto ao diretor do CJA, Luiz Gustavo Vidal Pinto, a professora Monica Fernandes e os jovens atores.
A apresentação contou com a presença ilustre do artista homenageado Hélio Leites, na foto junto ao diretor do CJA, Luiz Gustavo Vidal Pinto, a professora Monica Fernandes e os jovens atores. Foto Divulgação

HOMENAGEADOS - Hélio tem formação acadêmica, enquanto Efigênia é autodidata, porém, as trajetórias de ambos se assemelham no sentido de serem reveladoras do percurso de criações que surgiram à margem do mundo oficialmente instituído das artes.  

Durante muito tempo Efigênia transformou a feira do Largo da Ordem, em Curitiba, em palco de suas performances. A barraca onde expunha seus trabalhos, aos domingos, era o espaço que representava seu universo particular. Lugar de intervenções e narração de histórias em que ela utilizava como personagens os objetos criados. Atualmente essa jovem senhora de 88 anos mora perto do mar e continua criando com o mesmo brilho do papel de bala que ela confundiu com uma esmeralda, lá no início de sua caminhada artística. “A aparente fragilidade se dissipa quando, na narrativa, desabrocha uma mulher forte, que enfrentou várias lutas pela vida afora, que superou diversos obstáculos para ser considerada ‘artista’. Inquieta, intercala a sabedoria de ir tecendo a vida com leveza e simplicidade, junto com a ousadia de desafiar as convenções estabelecidas. Múltipla, ela pode ser o que quiser: uma criança grande, uma menina travessa, uma contadora de histórias, uma eterna aprendiz. Efigênia Rolim mantêm acesa uma Luz interior e uma vivacidade que só os seres ‘encantados’ possuem”, assim a descreve a professora responsável por construir a narrativa da peça.

Hélio Leites, amigo e vizinho de barraca de Efigênia enquanto ela esteve na feira do Largo da Ordem, costuma dizer que “sem feira não há domingo.” E para as pessoas anônimas, que entram em contato com ele e com suas histórias, com certeza “sem Hélio a feira não teria graça”. Em suas narrativas, improvisadas ou recicladas, o artista exercita a empatia com o público ao apresentar suas obras mínimas, suas miudezas tão cheias de significados. Suas peças, feitas de materiais diversos e reaproveitados, provocam admiração e ajudam a estabelecer uma relação de cumplicidade com os espectadores, pois cada uma instiga um conto, uma aventura, um comentário, uma brincadeira. Para Mônica, “Hélio é uma figura ímpar e já foi reverenciado pelo poeta Paulo Leminski, que o chamou de ‘o significador de insignificâncias’. Nas mãos do artista, as coisas pequenas se engrandecem, seja um botão ou um palito de fósforo. Ele consegue reproduzir o objeto com um conceito sempre novo, afinal é a ideia que importa, é a filosofia que a peça artística idealiza que faz com que o público sinta-se seduzido pela obra e pela história bem contada, pelo seu jeito brincalhão e espirituoso de lidar com as coisas aparentemente banais.”

Hélio e Efigênia são artistas que não se enquadram em rótulos, porque se reinventam a todo instante e atualmente seguem despertando o encantamento pelas coisas mais simples da vida cotidiana. Ambos produzem uma arte que viabiliza a reflexão para uma conscientização ecológica, ao realizar seus trabalhos a partir de materiais usados e descartados, que teriam como destino o lixo.

Foto de Maringas Maciel

Arte da peça Insignificâncias. Foto de Maringas Maciel

ARTISTAS PARANAENSES - As aulas de teatro do Centro Juvenil de Artes (CJA) ganharam uma nova perspectiva a partir de 2019, quando a direção da instituição sugeriu que as tradicionais montagens de peças teatrais, apresentadas ao final de cada semestre ou ano, trabalhassem um tema específico: os artistas paranaenses. O desafio resultou em um belo trabalho de estudo e resgate da memória de grandes nomes das artes do Paraná, sejam do passado ou atuais. Alfredo Andersen, Guido Viaro, Efigênia Rolim e Hélio Leites estão entre os homenageados em 2019.

“Nossa arte é muito rica e a gente tem uma história muito bonita para mostrar para nossas crianças. Vamos valorizar nossos artistas e contribuir para que sejam estudados e trabalhados pelas crianças, tanto nas artes visuais, como nas artes cênicas. A cultura tem esse papel na formação dos cidadãos”, defende o diretor do Centro Juvenil, Luiz Gustavo Vidal Pinto.

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